O pré-tratamento é fundamental para garantir melhores resultados nas estações de tratamento de esgoto. Como alternativa aos sistemas tradicionais de concreto, sistemas compactos podem integrar o gradeamento e peneiramento à unidade de remoção de areia, sem necessidade de grandes obras civis.
O tratamento preliminar de esgoto está previsto na ABNT NBR 12.209:2011 [1] e é definido como um conjunto de operações e processos unitários que visam à remoção de sólidos grosseiros, areia e matéria oleosa na parte inicial do tratamento.
Para o dimensionamento de barras e peneiras que irão remover esses resíduos, recomenda-se considerar a vazão máxima afluente ao processo. Além disso, os materiais para a confecção das grades, barras, peneiras e respectivos dispositivos de limpeza e remoção de sólidos devem ser resistentes à corrosão e abrasão, como ligas de aço inox 304 ou superior.
No caso da remoção de areia, deve-se prever remoção mínima de 95% das partículas com diâmetro equivalente igual ou superior a 0,2 mm e densidade de 2,65. Dependendo do sistema de desarenação, é recomendada uma velocidade de escoamento superficial (m/s) e tempo de detenção hidráulico mínimo (segundos).
Além das recomendações da norma, não encontramos maiores discussões sobre o assunto na literatura especializada. Portanto, este artigo traz informações detalhadas sobre o pré-tratamento e as consequências negativas ao negligenciá-lo [5].
Descrição da situação
Os sistemas de gradeamento e de peneiramento são os equipamentos mais antigos na remoção de sólidos grosseiros de efluentes domésticos e/ou industriais. Têm papel fundamental na proteção das unidades subsequentes de tratamento. Alguns tipos de gradeamento usados em estações de tratamento de esgoto estão apresentados na figura 1 abaixo.
O sistema preliminar também pode ser entendido como a etapa que amortiza os picos de vazão e de carga. A quantidade de materiais sólidos removidos e sua composição dependem da abertura das grades ou das peneiras utilizadas.
Segundo Dacachi (1991) apud Tomiello (2008) [5], nas estações de tratamento de São Paulo as taxas de remoção de material gradeado/peneirado variam entre 10 a 25 L/1000 m3 de esgoto. Um outro levantamento [6] demonstra valores díspares (tabela I).
Em 18 unidades de tratamento da Baixada Santista, incluindo as estações de pré-condicionamento e emissários, a remoção média de material gradeado/ peneirado é de 649 L/1000 m3 de esgoto. Os menores valores foram encontrados nos emissários (41 L/1000 m3).
Na figura 2 acima, observa-se o material ferroso retirado no tratamento preliminar. Sua permanência poderia trazer riscos à operação (figuras 3 e 4 abaixo). O investimento em sistemas capazes de remover o material sólido nas elevatórias e estações de tratamento de esgoto justifica-se tanto do ponto de vista econômico (são evitados os custos de manutenção excessiva nos equipamentos subsequentes), bem como no atendimento aos requisitos legais.
A composição do material sólido retido nas grades/peneiras é bastante variável e há poucos estudos a respeito. Morgado et.al. [3] realizou o levantamento na ETE ABC, da Sabesp, em São Paulo. A maior parte dos sólidos retidos corresponde a fibras e fiapos (51,4%), seguidos por plásticos, com 34%, e tecidos (algodão/celulose), com 22,7%. O restante são gorduras, mato/vegetais, bitucas de cigarros, cápsulas de drogas e embalagens diversas.
Um trabalho realizado nas ETEs Norte e Sul da Sanepar [5] indicou taxas de umidade entre 59% e 84% nos materiais removidos, considerados extremamente elevadas. Como esses materiais são levados para aterros sanitários, há custos no transporte e disposição. Por isso, os projetos devem considerar a implantação de sistemas para compactação do material e lavagem, evitando que a matéria orgânica seja conduzida para uma disposição inadequada. Segundo o estudo realizado na ETE ABC, a água utilizada para lavar esse material apresentou DQO de 2625 mg/L.
Remoção de areia
O sistema preliminar normalmente utilizado para remover areia é denominado desarenador ou caixa de areia, mas os materiais retidos nessa unidade contêm também silte, sementes, fragmentos de ossos, entre outros [5]. O dispositivo remove partículas discretas com elevada velocidade de sedimentação. Os tipos de caixa de areia podem ser classificados conforme tabela II.
Nas obras de novas unidades de tratamento, é comum a construção de tanques de concreto, denominados “convencionais”. Porém, já são uma alternativa competitiva os sistemas compactos, de aço inoxidável, que permitem implantação sem grandes obras civis. As unidades compactas podem ser construídas com o sistema de gradeamento/peneiramento acoplado à unidade de remoção de areia (figura 5 abaixo).
A falta de sistema de remoção de areia, ou mesmo a falha por mau dimensionamento da unidade, levará ao acúmulo do material nas demais unidades, com consequências sérias à operação [4], bem como elevado custo para recuperação. Por isso, parâmetros como tempo de detenção (segundos), velocidade horizontal (metros/segundo) e de sedimentação (centímetro por segundo) devem ser bem observados no projeto. As duas unidades da Sanepar estudadas por Tomiello [5] apresentaram 85 e 63 litros de areia por 1000 m3 de esgoto. Estudo realizado por Sena [6] na Baixada Santista demonstrou que as unidades de tratamento removem em média 701 litros de areia por 1000 m3 de esgoto.
Existe a recomendação de considerar entre 30 e 40 L de areia/1000 m3 de esgoto para dimensionar as unidades de remoção, porém a adoção desses parâmetros leva a sobrecargas, com sérios problemas operacionais. As figuras 6 e 7 abaixo mostram a areia acumulada nos tanques de aeração. Essa situação leva a problemas como transferência de oxigênio, perda de eficiência na remoção orgânica e custo elevado para retirada da areia.
Remoção de matéria oleosa
Embora a NBR 12.209:2011 recomende a remoção de matéria oleosa, o procedimento não é usual na fase de projeto. A prática é incompatível com o elevado recebimento de caminhões limpa-fossa nas unidades de tratamento de esgotos, que trazem grande quantidade de matéria oleosa e se mantida no processo aeróbio, a gordura aumentará a demanda de oxigênio, com a consequente elevação dos custos operacionais. Além disso, há um estímulo ao desenvolvimento de bactérias filamentosas.
A resposta à questão “Devemos remover gordura proveniente dessas descargas?” é facilmente respondida pela análise de dados. Monitoramento realizado na unidade de tratamento de São Vicente (ETE Humaitá), da Sabesp, demonstrou que a concentração média de DBO5,20 para os descartes denominados como “caixa de gordura” foi de 12.691 mg/L, enquanto a DQO foi de 48.257 mg/L.
Vamos simular uma situação real com os seguintes parâmetros:
· Vazão: 11.664 m3/dia
· DBO efluente: 30 mg/L
· θc: 10 dias
· Y: 0,80
· Kd: 0,5
As simulações consideram a concentração de DBO5,20 afl uente de 1899 mg/L, que recebe contribuições de caminhões de caixa de gordura, e DBO5,20 afl uente de 300 mg/L, já com remoção de gordura no sistema preliminar.
Na situação com o recebimento dos caminhões, temos:
· Produção de 10.900 kg de lodo/dia.
· Demanda de 6322 kg de oxigênio/dia.
Na situação em que o sistema preliminar remova a graxa, temos:
· Produção de 1575 kg de lodo/dia.
· Demanda de 913 kg de oxigênio/ dia.
Mesmo em situações não tão críticas como o recebimento de caminhões limpa-fossa, é preciso considerar as vantagens operacionais e a redução de custos com a implantação de remoção e segregação de graxa proveniente do esgoto doméstico, como ocorre na ETE de Campos do Jordão (figura 8).
Apesar de ser pouco estudado, é consenso entre os operadores e projetistas a importância desses dispositivos. Não ter essas unidades, em vez de reduzir custos de investimento, na realidade poderá aumentar as despesas com manutenção ao longo do tempo, além de possíveis sanções legais. Para o sistema de desarenação, é fundamental adotar outras taxas, pois as atualmente utilizadas não refletem a realidade em vários locais, principalmente em áreas litorâneas.
Por fim, deve-se dar atenção especial ao material de fabricação desses sistemas. Devido à abrasividade, os equipamentos deverão ser mais robustos para evitar desgastes prematuros.
Referências
[1] Abes. Tratamento Preliminar (Gradeamento, Desarenadores, Medição de vazão e Coleta de amostras do afluente, etc.). 1ª Oficina de Trabalho sobre Operação de Tratamento de Esgotos Sanitários da Câmara Temática de Tratamento de Esgotos da Abes.
[2] ABNT NBR 12209:2011. Elaboração de projetos hidráulico-sanitários de estações de tratamento de esgotos sanitários.
[3] Morgado, M.; Semura, K.A.; Inacio, G.; Dintof, T.C.R.: Avaliação da composição de resíduos removidos no tratamento preliminar das estações de tratamento de esgotos ABC e Franca da Sabesp. Congresso Brasileiro de Engenharia Sanitária e Ambiental, Porto Alegre. 2011.
[4] Prado, G.S.; Campos, J.R.: Determinação da quantidade de areia no esgoto sanitário: metodologia e estudo de caso. Eng. Sanit. Ambient. Rio de Janeiro, v.13, n.3, Set./2008.
[5] Tomiello, E.C.: Análise dos resíduos sólidos de desarenador do tratamento preliminar de esgotos preliminar de esgotos sanitários da cidade de Maringá – PR. Dissertação Mestrado – Universidade Estadual de Maringá. 2008.
[6] Sena, Helvécio, C.: Quantidade de areia e material gradeado em estações de tratamento do litoral paulista. Trabalho enviado para avaliação da comissão da ABES para apresentação no congresso de 2015.
Matéria originalmente publicada na Revista Hydro, edição de Abril de 2015.